falar com raiva

Conversas difíceis: como é que a raiva afeta as nossas conversas?

O que vais encontrar neste artigo: 

  • O papel das emoções, 
  • Ver a raiva e o que esta nos quer dizer,
  • O que acontece nas nossas conversas quando falamos com raiva,
  • O que podemos fazer para estar mais em contato com a raiva e conseguir mais compreensão nas nossas conversas
A raiva é uma emoção muito comum nas nossas conversas mais difíceis, principalmente, quando não nos sentimos vistos pela outra pessoa. A raiva tem o seu lado positivo, no entanto quando vamos para uma conversa, sentindo-a no seu expoente mais cru, pode complicar em muito a compreensão. Lê aqui o artigo completo.

Conversas difíceis, conflitos, discussões, divergência de ideias, são muitos os nomes que podemos utilizar para nomear uma conversa onde temos posições opostas à da outra pessoa e queremos que a nossa visão, posição, seja reconhecida. Aliada a este tipo de conversas, mais complexas, ou mesmo difíceis, como menciono em cima, está uma emoção que nos é muito familiar: a raiva!

Mas antes de desmistificar alguns aspetos importantes sobre esta emoção e o impacto que a mesma tem nas nossas interações, é importante reforçar um aspeto: a maioria de nós não teve um contacto construtivo com as emoções mais intensas e que são consideradas negativas, como é o caso da raiva, da tristeza, da irritação, do ódio, entre outras, isto é, nós fomos habituados a olhar para estas emoções como sendo más e desagradáveis, porque na verdade elas não “sabem bem” e mexem connosco, com a nossa estabilidade e bem estar, de uma forma que outras emoções não fazem.

É importante que saibas isto: as emoções, tal e qual como as sensações físicas que sentimos no nosso corpo, sejam estas externas (como o toque na pele) ou internas (como uma dor de barriga), existem para nos alertar, para nos auxiliar na nossa sobrevivência. Quer isto dizer o quê? Que as emoções servem para nos alertar de que algo não está bem e precisa ser olhado, cuidado ou de que estamos bem (sim porque as emoções positivas também nos sinalizam que algo que nos está a acontecer satisfaz as nossas necessidades). Então as emoções que consideramos negativas são na verdade nossas aliadas, não são más. Mas para podermos tirar o maior partido desta sua função, precisamos ganhar consciência das mesmas e em como estas interferem nas nossas conversas, quando não as “vemos”.

Ver a raiva e o que esta nos quer dizer

A raiva é uma emoção cebola, isto é, a raiva não existe por si só, ela é uma espécie de máscara ou primeira camada de outras emoções mais profundas, como tristeza, mágoa, pesar, entre outras, que se manifestam ou culminam na raiva. Por exemplo, quando alguém nos desilude, possivelmente esta emoção de desilusão, de pesar, de tristeza, pode transformar-se ou manifestar-se como raiva. Quando alguém abusa do seu poder e nos causa dor, a nossa forma de expressar essa dor pode manifestar-se através raiva.

A raiva, tal como explicado em cima, não é uma emoção má, ela é até muito importante, se nos soubermos sintonizar com a mesma e ler o que esta nos traz. Porque tal como qualquer outra emoção, a raiva também nos comunica algo, o que está em falta, o que é realmente importante para nós, o que estamos ali a tentar proteger.
Se pensarmos, por exemplo, em causas sociais, quando defendemos uma causa, que está em linha com os nossos valores e princípios, lá está, com as coisas que são mesmo importantes para nós, muitas vezes a manifestação contra algo que coloca em causa, ameaça ou magoa /faz mal ao que queremos proteger, surge em forma de raiva! Por exemplo, no meu caso particular, eu sou uma defensora acérrima do fim das touradas, porquê? Porque para mim o respeito pela vida, dignidade e não magoar, violentar, outros seres, é um princípio, um valor tão importante, que quando alguém coloca em causa algo em que acredito tão profundamente, eu sinto-me automaticamente ativada e parto para a raiva!

Ora a raiva também tem um papel muito importante, principalmente quando estamos a falar de situações em que temos que agir, temos que nos expressar, temos que tomar posição, pois a raiva também é energia impulsionadora! Ela tem o poder de nos movimentar, de nos levar a levantar, a lutar pelo aquilo que queremos e acreditamos.
Quando perante injustiças, violência, é ela que nos puxa, além medo, e nos ajuda a reagir. A raiva tem por isso um duplo propósito de alerta e de ação. No entanto, quando não olhamos a mesma com atenção e deixamos que esta determine em absoluto as nossas ações, ela pode tornar-se um entrave à compreensão e conexão com o outro.

O que acontece quando falamos com raiva nas nossas conversas

Embora a raiva tenha muitos aspetos positivos como vemos em cima, ela pode também ser prejudicial em alguns contextos, principalmente, quando nos expressamos num momento em que a emoção está muito viva em nós e deixamos que a mesma tolde as nossas respostas.
Mas a raiva ou falar de um sítio de raiva, visível na nossa comunicação não verbal, como nas nossas expressões faciais e corporais, tem um impacto, não só em nós mas também no outro:

  • Quando eu falo com raiva o outro fica com raiva: já reparaste que quando vês um filme e acontecem eventos felizes, assustadores ou tristes, tu tendes a reagir? Num filme de terror, por exemplo, nós sabemos que se trata apenas de um filme, que o que está a acontecer não é real, mas ainda assim ficamos assustados. O mesmo acontece, com uma cena mais emotiva ou dramática: todos nos lembramos do momento no filme do Rei leão da Disney, em que o pai do Simba morre no desfiladeiro. Todos sabemos que é um filme de animação, não é real, e ainda assim ficamos tristes e choramos ao ver o pequeno Simba de volta do corpo do seu pai sem vida. Mas além desses exemplos, temos um tão simples quanto, alguém na rua ou no café olhar para nós e sorrir, nós automaticamente sorrimos de volta e de alguma forma a simpatia daquela pessoa muda o nosso dia. Este fenómeno não acontece por acaso! Nós temos um conjunto de neurónios no nosso cérebro, chamados de Neurônios Espelho, que o que fazem é precisamente espelhar as emoções que nos são transmitidas por outra pessoa. Ora isto é importante para entendermos a raiva porque, da mesma forma que choramos, sorrimos por contágio, também ficamos irritados ou com raiva quando alguém nos aborda numa conversa com essa intensidade emocional. Ao ficarmos irritados porque o outro chegou irritado, isso já por si cria um entrave ao diálogo.
  • Quando eu falo com raiva posso despoletar no outro uma reação de luta ou fuga: Para além do contágio emocional, falar com raiva pode ainda disparar o sistema simpático da outra pessoa. Ora o sistema simpático, parte do nosso sistema nervoso, existe e é ativado para nos proteger de uma potencial ameaça à nossa sobrevivência. Já deves ter ouvido várias vezes falar deste mecanismo e que responde ao nosso cérebro mais primitivo (sistema límbico). Embora este sistema se tenha desenvolvido para fugir a leões (salvo seja), hoje em dia o mesmo é ativado também por situações sociais, do dia-a-dia, tais como expressões faciais ou tom de voz, “ameaçador”, irado (entre outras). Quando ativado, a probabilidade é a de que o outro reage de três formas: ou paralise, ou tente fugir ao assunto ou se torne combativo (lute). Aqui neste sítio ativado temos dois fenômenos muito prejudiciais às nossas conversas e entendimento a acontecer: uma pessoa ativada vai estar em modo de proteção, já nos vê como ameaça, então a probabilidade de diálogo reduz  e paralelamente também a sua capacidade de raciocínio fica toldada. Isto porque quando ativados, o nosso corpo direciona o seu foco, bombeando sangue, para os órgãos mais úteis a responder perante uma ameaça, que é o caso da parte muscular. Passando o cérebro racional, para segundo plano.
  • Quando eu falo com raiva também condiciono a minha capacidade de raciocínio e clareza sobre o que se passa à minha volta: Da mesma forma que o outro pode sentir-se ativado pela nossa expressão de raiva, também nós, quando a nossa raiva escala, podemos sentir o nosso sistema nervoso simpático ativado. Aqui vamos parar ao tal sítio onde a nossa clareza mental não é a melhor, o que nos traz dois desafios acrescidos: fica difícil sairmos da reatividade, de um discurso mais impulsivo e até violento e por outro lado também se torna muito mais complicado escutar e compreender o que o outro nos traz. Neste sítio ativado pela raiva, a mensagem não passa. Fica muito difícil duas pessoas compreenderem-se e chegarem a um entendimento. O que por sua vez é receita para escalar violência ou agudizar situações que de outra forma talvez fossem facilmente resolvidas.

O que podemos fazer para estar mais em contato com a raiva e conseguir mais compreensão nas nossas conversas

Antes de tudo estar em maior contato com a raiva pede-nos estar mais presentes, com mais consciência no momento em que temos as nossas conversas. O que por si só não é um desafio fácil, principalmente porque nos habituamos a ter conversas num molde reativo, isto é, pouco tempo ou nenhum nos permitimos ou temos para parar e refletir sobre o que precisamos dizer, estamos habituados a uma cultura em que o mais rápido é o “melhor” e este tipo de sistema também nos afasta da nossa natureza emotiva. Então voltar para o momento presente, prestar atenção ao que se passa no nosso corpo, durante uma conversa, pede-nos tempo e prática!
Essa prática pode começar fora das nossas conversas:

  1. Conversa com a raiva, conecta-te com o que essa emoção te quer dizer, sente-a e fica com ela, se te for possível, antes de avançares para uma conversa,
  2. Auto-conhecimento, quando mais consciência tiveres dos teus gatilhos,  isto é, dos temas, ações, que te deixam mais ativada ou que te transportam para essa reação de raiva, mais facilmente vais conseguir gerir as tuas conversas e expressões e antecipar uma reação que te leve para um sítio em que não consegues dialogar,
  3. Meditação, exercícios de meditação, mas meditação realmente consciente, em que conectamos com as sensações do nosso corpo, prestamos atenção ao que cada pedaço de nós está a sentir e deixamos os pensamentos virem e irem, sem forçar a sua partida, só reconhecendo o que está em nós, sem pressas, ajuda-nos também a processar o que sentimos e a não ter reações tão reativas, 
  4. Escreve um diário das emoções, manter um registo diário da oscilação de emoções que vão surgindo, mediante as situações que nos vão acontecendo, e tentar perceber o que estas nos querem dizer, o que estamos ali a tentar preservar. Quando nos sentimos engatilhados ou após conversas difíceis podemos fazer uma reflexão sobre o que se passou. Este último ponto é fundamental, pois a destreza para estar presente numa conversa e evitar que a raiva tome conta do nosso discurso, cria-se muito na tomada de consciência após a conversa.
  5. Aprende ferramentas de diálogo, na aplicação de ferramentas de diálogo que quebram com os padrões violentos de linguagem a que estamos acostumados, quando queremos fazer valer algo importante para nós, mesmo quando perante algo que nos deixa envaidecidos, sabemos como trazer o tema de um lugar que traz clareza sobre o tema, sem atacar o outro e criando uma ponte de conexão.
  6. Faz terapia, embora venha como último ponto, não deixa de ser dos mais importantes. Isto porque a forma como nos expressamos e reagimos perante as conversas mais desafiantes, vem de um sítio de aprendizagem, de vivências a que fomos expostos, e é muito importante também compreender, olhar, acolher essa nossa bagagem e ter alguém que nos guie neste processo; 

A raiva não é má, como explicado em cima, ela pode ser uma grande aliada para nos ajudar a lutar por nós mesmos ou pelas causas que nos são queridas, e quando processada, isto é, quando não a utilizamos a cru, quando surge e na sua máxima intensidade, ela é muito útil mas é também fundamental olharmos para a mesma com carinho, compreendermos as mensagens que nos traz e acima de tudo não deixarmos que esta se intrometa ou atrapalhe a nossa expressão e relação com outras pessoas.

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