Discordar nunca é fácil, mas quando estamos em polos opostos pode tornar-se um desafio muito complexo. Neste texto guio-te por alguns pontos que deves ter em consideração para te ajudar a conversar com alguém que pensa de forma diferente da tua. Lê o artigo completo!
O que vais encontrar neste artigo:
- a dificuldade em conversar quando existem opiniões opostas
- a segurança como pilar para as nossas conversas difíceis
- avaliar se o espaço é seguro
- criar um espaço seguro
- compreender a importância da criação de espaços seguros para cortar ciclos de violência
Vivemos tempos atípicos, em que cada vez mais as opiniões são extremadas, a certeza sobre uma visão, a intolerância e por vezes até arrogância sobre uma posição defendida, não deixam espaço para a compreensão, para o debate ou diálogo e criam um fosso cada vez maior entre pessoas, nos mais variados contextos.
Por um lado temos um pujante movimento woke que defende afincadamente novas formas de expressão e socialização, por outro temos ideias e movimentos tradicionais/conversadores que teimam em exaltar formas de viver que não se coadunam com o evoluir dos tempos e não respeitam algumas liberdades individuais. Estes grupos de ideias, que se posicionam em polos tão opostos, também nos levam a questionar se é realmente possível existir algum tipo de entendimento ou a possibilidade de diálogo entre pessoas que veem mundos tão diferentes e que, aparentemente, não se cruzam em ponto algum.
Mas estas pessoas, as que pensam de forma tão diferente da nossa (seja em que polo for em que se encontram), são muitas vezes, os nossos familiares, amigos, colegas de trabalho ou alguém que nos é próximo e por quem temos amor ou estima.
E aqui surge o grande desafio: como dialogar com alguém que me é próximo que defende ideias tão contrárias às minhas? Devo cortar relações com essa pessoa? Devo dar o benefício da dúvida? Devo abrir espaço para escutar e tentar compreender e quiçá até aproveitar a oportunidade para poder trazer a minha perspetiva?
Antes de respondermos a estas questões, temos que garantir um aspeto fundamental e sem o qual nenhum diálogo pode acontecer: segurança!
Sem segurança não existe diálogo
Um princípio básico e que caracteriza a nossa ação enquanto seres humanos é a necessidade de segurança. Todo o nosso sistema nervoso, cérebro, mente, corpo, funcionam em perfeita sintonia para nos alertar, proteger e levar a agir para que nos possamos manter em segurança, seja esta uma segurança física ou emocional.
Sentir-me seguro ou em segurança para poder interagir, dialogar, conversar com o outro, também faz parte deste mecanismo, e embora nós não possamos controlar as variáveis externas, as que fogem ao nosso controlo, como é o caso do comportamento ou fala do outro, podemos avaliar se o ambiente é propício para conversar com alguém e também podemos contribuir para que essas mesmas condições sejam seguras para que a conversa possa acontecer.
Como avaliar se o espaço é seguro para debater ideias opostas
Para avaliar se o espaço é seguro para poderes falar de um tema, onde existem visões opostas, isto é, se a outra pessoa está disponível para dialogar de forma respeitosa, podes começar por colocar as seguintes questões:
Antes da conversa começar:
1- Como está o humor da pessoa? Está muito ativada emocionalmente (raiva, ansiedade, tristeza)? Existe alteração no seu tom de voz, postura corporal (falar mais alto, mais agressivo, mais tremido, mais tenso)?
R: Se te sentires confortável com a intensidade que estás a receber do outro lado então podes avançar
2- Deves fazer a mesma questão para ti mesma/o: como te sentes?
R: A forma como entras numa conversa também vai condicionar a resposta ou postura que irás ter do outro lado, então é importante estarmos conscientes do quão ativados ficamos ou não quando tocamos em temas sensíveis e se somos capazes de manter um debate respeitador.
3- Alguma vez tive esta conversa com esta pessoa? Como é que ela reagiu? Estou disposta a tentar de novo?
R: O histórico das conversas também nos dá informações preciosas. Se eu já conheço o posicionamento ou possível reação daquela pessoa, eu tenho uma oportunidade de antemão para decidir se vale a pena seguir ou se não vale a pena insistir no tema.
No decorrer da conversa:
1- Sinto-me invalidada emocionalmente e na minha experiência pela outra pessoa?
2- Sinto que não existe abertura para escutar e compreender: a pessoa interrompe a minha fala, repete os seus argumentos, assume uma postura defensiva/ataque?
3- Uma das pessoas envolvidas está muito ativada emocionalmente (irritada, ansiosa, com medo)? – É muito importante ir fazendo este check ao longo da conversa e verificar se existe espaço para aliviar os ânimos ou se devo retirar-me da conversa.
4- Sinto–me insultada, atacada, discriminada, ridicularizada pela outra pessoa?
5- Sinto-me em perigo físico, isto é, de ser agredida ou outro por aquela pessoa?
6- Sinto que o teor da conversa me deixa desconfortável, vai contra os meus princípios e valores, não quero ter esta conversa com alguém que não pensa como eu. – Também é válido teres os teus próprios limites pessoais e decidires que não estás disposta/o a ouvir uma visão contrária a um tema que é tão importante para ti.
R: Se respondeste que sim a alguma destas questões, então o espaço não é seguro para poder dialogar. O melhor nestes casos é dar o assunto por encerrado ou pedir apoio/ajuda em caso de te sentires em perigo.
Como criar um espaço seguro para fala sobre ideias opostas
Se as condições forem favoráveis (com base nas questões que utilizamos em cima para fazer a avaliação), é importante percebermos que a nossa conduta, a nossa expressão, sobre um tema onde temos uma opinião ou pontos sobre o tema em que discordamos com o outro, também contribui para a segurança do espaço (para os dois) e que também nós somos responsáveis ou co-responsáveis pelo escalar da conversa para um conflito/confronto.
Uma grande aliada neste processo é, naturalmente, a comunicação não violenta, que nos providencia algumas orientações para garantir que saímos de um registo violento e que conseguimos estar mais presentes nas conversas mais difíceis. Para manteres o espaço seguro, deves seguir os pontos, sugeridos, em baixo:
1- Não atacar o caráter do outro, julgar/criticar a sua posição ou opinião (por mais que consideremos condenável, podemos expressar o que pensamos sem entrar em ataques pessoais ou crítica)
2- Não invalidar a experiência ou emoções do outro (o outro tem direito à sua experiência, tal como nós)
3- Manter um espaço aberto de escuta, sem interrupções
4- Fazer questões para perceber melhor a partilha feita (sem sarcasmo)
5- Parafrasear o que o outro disse para obter confirmação se interpretamos corretamente o que nos foi transmitido.
6- Manter uma comunicação não verbal neutra. A chamada de poker face (o respeito é essencial para manter um espaço seguro).
7- Avaliar/questionar se existe abertura para trazer a nossa perspetiva.
Da reatividade para a calma e compreensão
Embora seja difícil integrar o porquê de ser importante manter a diplomacia com pessoas que defendem ideias tão opostas às nossas ou que nós consideramos que são um atentado a valores, princípios e muitas vezes até direitos fundamentais, é importante não esquecer que a raiva, a reatividade e a violência não vão fazer com que nenhuma das partes mude de ideias, pelo contrário. A tendência humana é a de na inexistência de um espaço seguro para poder expressar-se, a partir para a defesa/ataque e a fechar qualquer possibilidade de compreensão ou integração da perspetiva do outro.
Ninguém sai a ganhar num diálogo que escala, ao passo que, quando existe espaço seguro, quando ambas as partes conseguem respeitar-se, ainda que não concordem, existe maior margem para que um dos lados integre alguma da informação que foi trocada.
É como semear uma pequena semente e esperar que talvez por ali ela possa crescer.
A calma e compreensão são chave para as nossas conversas mais difíceis.
Mas nota que: compreender não significa concordar, não significa abdicar do que acreditamos e defendemos. Num espaço de compreensão abrimos o nosso campo de visão, ao invés de apenas termos uma perspetiva ganhamos mais informação sobre outras perspetivas e isso enriquece a nossa capacidade de análise e até de procura de soluções sobre o tema ou realidade que se apresenta.
Embora, e pegando no início deste texto, nos sintamos cada vez mais distantes de determinadas opiniões ou formas de ver e estar no mundo, a realidade é que somos todos fruto ou filhos de uma sociedade e cultura violentas. Quebrar os laços com esta base que nos envolve não é uma tarefa fácil. É necessário reconhecer no outro essa herança (o seu contexto), a sua humanidade e imperfeição. Paralelamente, reconhecer em nós mesmos essa herança, que também carregamos, e para a qual também contribuímos de alguma forma.
Aceitar a humanidade como algo que nos une, faz parte do processo. Não é sobre ser tolerante com violência mas perceber que a única forma de cortar com a mesma, é fazer de forma diferente.